Visor Técnico – Nº257 – 17/12/2020
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Mensuração do valor justo (fair value): o que é e o que se divulga? Danival Sousa Cavalcante Graduado em Ciências Contábeis (UFC), Mestre e Doutorando em Administração e Controladoria (PPAC/UFC), linha de estudos em Contabilidade, Controladoria e Finanças. Professor do Departamento de Contabilidade da UFC. Pesquisador na área de Contabilidade, Controladoria, Finanças e Gestão Organizacional. Lattes: http://lattes.cnpq.br/5123075219232165; ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7474-1480 1 Introdução Quando se trata de valor, surgem diversos conceitos, peculiaridades e dúvidas, devido a sua subjetividade intrínseca e a discricionariedade de quem o define para algum item. A discussão se torna mais complexa quando o assunto é valor justo (fair value), devido às questões que envolvem juízo de valor, bom senso e particularidades, visto que o que pode parecer justo para um agente pode não ser justo para outro e vice e versa. Assim, definir valor, e que que este seja justo, exige um exercício técnico que envolve conhecimentos multidisciplinares, como contabilidade, economia, finanças, matemática e estatística. Portanto, definir valor para algo exige uma visão holística de todos os aspectos que envolvem o elemento a ser valorado. Nesse contexto, o presente artigo busca facilitar o entendimento para o que seja, de fato, mensuração do valor justo. Para tanto, os argumentos apresentados têm como base as orientações trazidas no pronunciamento técnico CPC 46, do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC, 2012), correlacionado às normas internacionais de contabilidade – International Financial Reporting Standards (IFRS) 13 – fair value measurement, do International Financial Standards Board (IASB, 2012), assim como em estudos publicados sobre o tema. 2 Contextualizando valor e valor justo Devido às peculiaridades que envolvem a temática, no que concerne a definição de valor e de justo valor, inicialmente se faz necessário apresentar alguns conceitos para que se possa gerar conhecimento crítico ao leitor. O termo “valor” pode ser definindo de diversas formas. Consultando o dicionário Michaelis (2020) é possível verificar vários significados como: preço atribuído a algo; qualidade observada para se calcular o merecimento intrínseco ou extrínseco de algo ou alguém; importância de alguma coisa determinada previamente de modo arbitrário; preço elevado; número ou dígito que se obtém por meio de cálculo; conjunto de qualidades excepcionais que atraem respeito e consideração dos outros; qualidade daquilo que tem legitimidade ou validade; poder aquisitivo variável; o apreço variável atribuído a determinado bem ou serviço, que pode ser objeto de uso ou de troca; qualquer título negociável na bolsa de valores; papel que traz estampada a representação do valor financeiro; significância. Portanto, para o único termo valor, isoladamente, existem diversos significados que podem ser aplicados a diferentes contextos ao qual se insere. Para os fins desse estudo, o conceito apresentado que melhor se encaixa na presente discussão de valor é o apreço variável atribuído a determinado bem ou serviço, que pode ser objeto de uso ou de troca (MICHAELIS, 2020). Ao consultar o termo “justo” no mesmo dicionário, se observa outra variedade de significados, dentre os quais: conforme à justiça, à razão e ao direito; que é imparcial no julgamento; íntegro, probo, reto; que tem fundamento; fundado, legítimo; que é devido por direito ou dever; merecido; que é moralmente correto, que tem justeza; que se adapta perfeitamente; adequado; que se ajusta bem; apertado, cingido, estreito; que teve acerto; ajustado, combinado, pactuado, tratado; de maneira exata e precisa; exatamente, justamente (MICHAELIS, 2020). Assim como o termo “valor”, o termo “justo” também se aplica a diferentes contextos. Para a ideia discutida nesse estudo, o conceito mais adequado apresentado seria o que tem fundamento; fundado, legítimo. Conhecendo os diferentes significados para os termos isoladamente, é necessário compreender a união dos termos “valor justo”. O pronunciamento técnico CPC 46 o define como o preço que seria recebido pela venda de um ativo ou que seria pago pela transferência de um passivo em uma transação não forçada entre participantes do mercado na data de sua mensuração (CPC, 2012). Portanto, considera-se uma situação comum, normal e atual de mercado para a precificação a valor justo de um item do ativo ou do passivo. Como se observa, a mensuração a valor justo é aplicável exclusivamente a elementos do ativo e do passivo de uma entidade. Assim, é necessário considerar as características particulares desses elementos patrimoniais que se deseja valorar justamente, como, por exemplo, sua condição, vida útil, localização, restrições e demais peculiaridades que os envolvem. Vale destacar que o ativo ou o passivo que se deseja estabelecer o valor justo pode ser um elemento isolado específico ou elementos agrupados, como ativos ou passivos em conjunto e ainda ativos e passivos conjuntamente, como uma unidade geradora de caixa ou um negócio. Essa classificação, entre elementos individuais ou em conjunto, para fins de mensuração, depende de sua unidade de contabilização definida pelo pronunciamento que exigir ou permitir a sua contabilização com base no valor justo. Ressalta-se que a mensuração do valor pressupõe que a transação para a venda do ativo ou para a transferência do passivo ocorre no mercado principal para esses elementos ou na sua ausência, o mercado que seja o mais vantajoso para o ativo ou passivo (CPC, 2012). 3 Mensuração do valor justo – CPC 46 (CPC, 2012) e IFRS 13 (IASB, 2011) O entendimento do CPC 46 é de que o valor justo é baseado em mensuração a mercado e não em uma mensuração específica da entidade que reporta a informação, tendo o objetivo de estimar preço a partir de uma transação não forçada para a venda de um ativo ou para a transferência de um passivo que ocorreria entre participantes do mercado na data de sua mensuração sob condições atuais de mercado, prevalecendo o preço normal de saída na data de mensuração do ponto de vista de participante do mercado que detenha o ativo ou o passivo (CPC, 2012). Qualquer acordo, contrato ou negócio exige pelo menos duas partes, o contratante e o contratado, vendedor e comprador, cedente e cessionário e assim por diante. Essas partes são definidas como participantes de mercado, segundo o pronunciamento CPC 46. Desta forma, a entidade que deseja mensurar o ativo ou passivo a valor justo, deve utilizar as mesmas premissas que os participantes de mercado utilizariam ao precificar o ativo ou o passivo, presumindo-se que esses participantes agiriam em seu melhor interesse econômico. Portanto, a finalidade da mensuração a valor justo é se chegar a um preço, em valor monetário, que seria recebido pela venda de um ativo ou pago pela transferência de um passivo em uma transação normal no mercado principal ou, na ausência deste, noutro que seja mais vantajoso para esses elementos(CPC, 2012). Ou seja, numa transação não compulsória na data da mensuração sob condições atuais de mercado, considerando, portanto, o preço de saída, independentemente desse preço ser diretamente observável ou estimado a partir de outra técnica de avaliação. O pronunciamento destaca a avaliação do critério de melhor uso possível do ativo quando da mensuração a valor justo. Nesse sentido, o melhor uso do ativo diz respeito à capacidade do participante do mercado de gerar benefícios econômicos utilizando o ativo ou mesmo o vendendo para outro participante do mercado que o utilizaria em seu melhor uso, considerando se é fisicamente possível, legalmente permitido e financeiramente viável (CPC, 2012). Quanto à aplicação sobre passivos e instrumentos patrimoniais da entidade, a mensuração do valor justo pressupõe que o passivo financeiro ou não financeiro ou o instrumento patrimonial próprio da entidade seja transferido a um participante do mercado na data de mensuração, pressupondo que, no caso de passivo, este iria permanecer em aberto e o cessionário ficaria obrigado a satisfazer a obrigação e o passivo não seria liquidado com a contraparte nem seria extinto na data de mensuração. No caso de instrumento patrimonial próprio da entidade, a presunção é a de que este iria permanecer em aberto e o cessionário participante do mercado assumiria os direitos e as responsabilidades sobre ele associados (CPC, 2012). Outro ponto que merece destaque é o reconhecimento inicial do valor justo. A orientação é de que quando o ativo é adquirido ou o passivo assumido em transação de troca para esse ativo ou passivo, o preço da transação é o preço pago para adquirir o ativo ou recebido para assumir o passivo, ou seja, o preço de entrada. Por outro lado, o valor justo do ativo ou passivo é o preço que seria recebido para vender o ativo ou pago para transferir o passivo, ou seja, preço de saída (CPC, 2012). Sabidamente, há situações particulares que ocorrem em torno dos ativos e passivos que impactam em sua situação, características e restrições, que fazem com que seus preços de entrada e saída sejam diferentes. Assim, as entidades não podem garantir que venderão seus ativos pelos preços pagos em suas aquisições. Do mesmo modo, não se pode garantir que as entidades transferirão seus passivos pelos preços que foram recebidos para assumi-los. No entanto, a regra geral e o mais comum que se espera é que o preço da transação é igual ao valor justo do elemento mensurado. Isso é esperado quando, na data da transação, a compra do ativo ocorra no mesmo mercado em que o ativo seria vendido (CPC, 2012). No que tange às técnicas utilizadas para o desenvolvimento da mensuração a valor justo, o pronunciamento evidencia que a entidade deve lançar mão de técnicas de avaliação apropriadas para as circunstâncias e para as quais haja dados suficientemente disponíveis, maximizando o uso de dados observáveis relevantes e minimizando o uso de dados não observáveis. Dentre as técnicas possíveis, o pronunciamento destaca três que são: (i) abordagem de mercado, (ii) abordagem de custo e (iii) abordagem de receita (CPC, 2012). Ressalta-se o destaque para a hierarquia na mensuração de valor justo, com o fim de maximizar a consistência e a comparabilidade nas mensurações do valor justo e em suas divulgações correspondentes. Nesse enfoque, o pronunciamento técnico 46 (CPC, 2012) classifica a hierarquia informacional para o valor justo em três níveis de informações (inputs) aplicadas nas técnicas de avaliação. No nível 1, considera a maior prioridade às informações de preços cotados (não ajustados) em mercados ativos para ativos ou passivos idênticos e menor prioridade a dados não observáveis, que estão no nível 3. Portanto, no nível 1 estão os preços cotados em mercados ativos para ativos ou passivos idênticos a que a entidade possa ter acesso na data de mensuração. No nível 2 estão as informações que são observáveis para o ativo ou passivo, seja direta ou indiretamente, mas que não são preços cotados incluídos no nível 1. No nível 3 estão os dados não observáveis para o ativo ou passivo, que apenas devem ser utilizados quando dados observáveis relevantes não estejam disponíveis, admitindo casos em que há pouca ou nenhuma atividade de mercado para o ativo ou passivo na data de mensuração (CPC, 2012). No entanto, em qualquer um dos níveis informacionais, para fundamentar a mensuração do valor justo, o seu objetivo é sempre de estabelecer o preço de saída na data de mensuração do ponto de vista do participante do mercado que detém o ativo ou que deve o passivo. Quanto aos critérios de divulgação sobre a mensuração do valor justo dos elementos patrimoniais, o pronunciamento explica que entidade deve divulgar informações que auxiliem os usuários das demonstrações contábeis a avaliar, como: (i) para ativos e passivos que sejam mensurados ao valor justo de forma recorrente ou não recorrente no balanço patrimonial após o reconhecimento inicial, as técnicas de avaliação e informações utilizadas para desenvolver essas mensurações; e (ii) para mensurações do valor justo recorrentes que utilizem dados não observáveis significativos de nível 3, o efeito das mensurações sobre o resultado do período ou outros resultados abrangentes para o período (CPC, 2012). Assim, foi possível fazer uma revisão geral dos aspectos abordados no CPC 46 correlacionado com a IFRS 13, dando ao leitor uma visão geral sobre a mensuração do valor justo de ativos e passivo. Na próxima seção são apresentados alguns estudos empíricos recentes que abordaram a temática e os seus efeitos nas empresas. 4 Estudos empíricos recentes É relevante ilustrar a aplicação acadêmico-cientifica da mensuração a valor justo os efeitos investigados por pesquisadores em alguns estudos publicados recentemente, para que se possa gerar conteúdo crítico reflexivo para o leitor, tanto para fins acadêmicos quanto para fins profissionais. DeFond et al. (2020), estudaram o efeito da contabilidade de valor justo no desempenho e na sensibilidade de distribuição de lucros desde a adoção das IFRS em 2005 e descobriram que as disposições de valor não justo das IFRS melhorem a sensibilidade de ganhos. No entanto, apresentaram evidências de que a contabilidade pelo valor justo prejudica a utilidade dos lucros na avaliação do desempenho da gestão. Nadler e Guo (2020), observando o crescente aumento das criptomoedas como uma nova classe de ativos, investigaram sua avaliação justa no patrimônio, como os fatores de risco tradicionais, como o risco de mercado, assim como os fatores de risco específicos. Os autores verificaram que a volatilidade dos preços para os usuários é positiva, vendo-a como oportunidade para retornos maiores, evidenciando ainda que os participantes em criptomercados estão precificando os fatores de risco de acordo com os ambientes onde são negociados. Liao, Kang e Morris (2020) analisaram os papéis desempenhados pelas mensurações do valor justo e do custo histórico durante a crise financeira 2008-2009 que permanecem controversos, investigando a relevância relativa e incremental do valor dos ativos e passivos medidos em termos de valor justo e custo histórico para instituições financeiras de 25 países europeus antes e durante a crise financeira. Os autores descobriram que é relativamente mais relevante evidenciar as informações em termos de valor justo do que em termos de custo histórico durante a crise, mas não antes da crise. No entanto, ambos os métodos de mensuração são incrementalmente relevantes um para o outro, tanto antes como durante a crise financeira. Pinto, Lemes e Almeida (2020) objetivaram identificar os fatores que se associam com a escolha do método para a mensuração de ativos não financeiros, a partir de uma amostra com 150 companhias da Alemanha, Brasil e Reino Unido. Os achados indicam que o país, o tamanho e o nível de endividamento das empresas apresentam associação com o método escolhido de mensuração dos ativos não financeiros, o que não foi evidenciado em relação à rentabilidade. No entanto, os resultados suportam a suposição de preferência das companhias pelo uso do custo histórico em detrimento do valor justo. Telles, Sanches e Oshita (2020) tiveram como objetivo analisar os fatores que favorecem a prática de escolha contábil ao mensurar um grupo de ativo pelo seu valor justo. Os resultados evidenciam que as escolhas contábeis atinentes ao valor justo a partir da abordagem da receita está sujeita às práticas de oportunismo ou de fidedignidade informacional, bem como do conhecimento por parte dos elaboradores das técnicas que se aplicam nos modelos de precificação. O resultado encontrado pelos autores foi que a escolha contábil de uma determinada técnica entre várias possíveis está relacionada ao conhecimento, pelos gestores, dos fatores que implicam na variação do fluxo de caixa descontado e ao apego às práticas contábeis que são disseminadas. Costa et al. (2019) argumentam que a adoção da avaliação a valor justo pode aumentar a volatilidade dos resultados das empresas, uma vez que as variações anuais são contabilizadas como ajustes que passam pelas contas de resultado. Assim, os autores investigaram os efeitos da mensuração a valor justo dos ativos biológicos sobre a volatilidade do resultado anual das empresas brasileiras entre 2010 e 2014. Os resultados apontam que a simples adoção da mensuração a valor justo, versus custo-histórico, não afeta a volatilidade do resultado das empresas. Entretanto, uma análise, por meio do método de mínimos quadrados ordinários, indica que a volatilidade dos preços de culturas que tem seus ativos mensurados por meio de preços de commodities ou em mercados ativos (informações de nível 1) afeta diretamente a volatilidade dos resultados das empresas. Pode-se verificar diferentes efeitos e consequências da aplicação da mensuração do valor justo sobre elementos patrimoniais, principalmente sobre ativos, que é o mais comumente observado, do que em passivos, resultado de cenários diferentes e de níveis de informações diferentes, desde a mensuração até a divulgação para os usuários da informação contábil. Diferentes achados são evidenciados entre os pesquisadores, o que corrobora com a percepção aqui apresentada de que o tema é complexo, não havendo consentimento entre os estudiosos quanto à direção e consequências finais da mensuração do valor justo no desempenho das entidades.
5 Divulgação da mensuração do valor justo por companhias cearenses Como forma de ilustrar a temática em estudo de forma prática e atual, se propõe consultar o que as empresas estão evidenciando em suas demonstrações contábeis a respeito da mensuração do valor justo. Para tanto, como o intuito desse trabalho não é propor um estudo exaustivo sobre o tema, serão delimitadas as divulgações das demonstrações contábeis de companhias abertas cearenses listadas na B3 em seus formulários de referência de 2020 referente ao exercício de 2019, que é o período concluído mais recente até a elaboração desse estudo, para fins de ilustração prática. Portanto, as demonstrações contábeis analisadas foram das seguintes companhias cearenses: Pague Menos, M Dias Branco, HapVida e Grendene. Quadro – Divulgação sobre a mensuração do valor justo por companhias cearenses Pague Menos M Dias Branco HapVida Fonte: Formulários de referência 2020 de Pague Menos, M Dias Branco, HapVida e Grendene (FR, 2020). Com base nessa pequena amostra de evidenciações nas partes que tratam sobre a mensuração do valor justos dos elementos patrimoniais que as empresas divulgam em seus formulários de referência, observa-se que as divulgações seguem uma certa padronização das partes que divulgam a mensuração e a forma como divulgam, seguindo os preceitos definidos no pronunciamento CPC 46 e na IFRS 13. No entanto, entende-se que as informações são prestadas, em geral, de modo genérico, sem muitos detalhes e desdobramentos, com apresentação de cálculos para se chegar aos valores justos declarados nas demonstrações contábeis, que poderiam ser apresentados em formato de quadros ou tabelas explicativas. Diante do exposto nesse artigo, observa-se uma complexidade que envolve o processo de mensuração do valor justo dos ativos e dos passivos, devido ao caráter subjetivo que permeia a definição de valor e do papel discricionário do elaborador das demonstrações contábeis. REFERÊNCIAS |
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